O caso Israel Vallarta: o "efeito corruptor" que virou um tiro no pé para García Luna

CIDADE DO MÉXICO ( Processo ).– Israel Vallarta Cisneros foi absolvido por um juiz federal porque a Procuradoria-Geral da República (FGR) não provou que ele era um sequestrador e pelo “efeito corruptor” causado pela montagem televisiva de sua prisão , orquestrada por Genaro García Luna, ex-chefe da Agência Federal de Investigação (AFI).
De acordo com a decisão proferida pela Juíza do Terceiro Distrito de Processo Penal Federal do Estado do México, Mariana Vieyra Valdez, consultada pelo Proceso, a juíza enfatizou que, diante das ilegalidades cometidas pelas autoridades federais, hoje, quase 20 anos após a prisão de Vallarta, não é mais possível distinguir quais provas da Procuradoria-Geral da República refletem a verdade e quais são produto de manipulação.
Portanto, o juiz absolveu Vallarta das acusações de crime organizado envolvendo sequestro de seis pessoas, posse e porte de arma de fogo e posse de munição para uso exclusivo do Exército. Assim, o homem que por quase duas décadas foi identificado como o suposto líder da suposta gangue de sequestradores Los Zodiaco foi libertado ontem.
ArgumentosEm 425 páginas, a juíza Vieyra Valdez analisou o caso de Israel Vallarta, concluindo que, desde a investigação preliminar, as autoridades federais cometeram diversas violações de seus direitos humanos. Essas violações impactaram o julgamento e levaram o Quinto Tribunal Distrital de Processos Criminais Federais do Distrito Federal (atual Cidade do México) a proferir uma sentença de culpa contra sua ex-companheira e ré, Florence Cassez, em 25 de abril de 2008.
O juiz explicou que, no caso de Cassez, a decisão proferida em janeiro de 2013 pela Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), que resultou em sua libertação, e os temas abordados pelos juízes da Primeira Câmara, como o efeito corruptor do processo, a presunção de inocência e a imediatez da libertação, são relevantes para o caso de Israel Vallarta.
Isso ocorre porque os procedimentos de ambos têm um núcleo comum e compartilham vários testes, não sendo possível avaliá-los de forma diferente em cada caso.

"Se ficar provado que, em relação a uma pessoa, uma prova é ilegal, porque é contrária aos direitos humanos, ela não pode ser considerada legítima em relação a outro acusado.
"A ilicitude de uma determinada prova deve atingir todas as pessoas contra as quais ela é dirigida ou que dela buscam se beneficiar, pois essa ilicitude implica sua nulidade absoluta, por contrariar normas proibitivas de interesse público", explicou o juiz.
Ele lembrou que, no caso de Florence, o Tribunal identificou um efeito corruptor nos procedimentos decorrentes de sua prisão, ocorrida no dia, hora e local em que Israel Vallarta foi detido, e pelos mesmos agentes de investigação. Portanto, as provas coletadas nessa prisão foram ilegais.
"Quando a falta de confiabilidade nas provas é consequência da arbitrariedade das autoridades, que não protegeram efetivamente os direitos fundamentais do acusado na busca da verdade, isso inevitavelmente terá um efeito corruptor em todo o procedimento, contaminando tanto o procedimento em si quanto seus resultados", afirmou.
Ele considerou, portanto, que a decisão do Tribunal também invalida as provas oferecidas pela Procuradoria-Geral da República contra Vallarta.
Assim, o juiz excluiu 10 depoimentos das vítimas que haviam sido oferecidos pelo Ministério Público como prova contra Vallarta, porque, de acordo com a decisão do SCJN na qual se baseou, essas pessoas viveram momentos traumáticos e, durante a montagem televisiva orquestrada pelas autoridades federais, viram o acusado, ouviram sua suposta confissão, e ele foi identificado pelos agentes do AFI como seu sequestrador, o que contaminou seus depoimentos.
Não é possível atribuir-lhes valor probatório, pois é impossível distinguir qual parte do seu depoimento é neutra e qual foi induzida involuntariamente pelas vítimas. Principalmente porque se observa que o depoimento delas mudava a cada declaração, incriminando mais pessoas e de forma mais grave.
Os depoimentos e relatórios dos agentes da AFI que participaram da prisão também foram excluídos porque eles violaram os direitos humanos de Israel Vallarta ao participar da armação em vez de garantir o cumprimento de seus deveres como agentes do Estado.
Também invalidou as declarações das vítimas, suas famílias e testemunhas sobre Israel Vallarta na Câmara Gesell, por terem sido contaminadas pela mesma montagem televisiva. Além disso, durante o processo, o acusado não teve defesa adequada, pois nem uma pessoa de confiança nem seu advogado estavam presentes.
Outra prova excluída foi a declaração ministerial de Vallarta ao Gabinete do Procurador-Geral em 9 de dezembro de 2005, data da armação, porque houve um atraso indevido entre sua prisão e sua libertação e por causa das evidências de que a declaração, na qual ele confessou o sequestro, foi obtida por meio de tortura.
Entre essas pistas está o relatório médico emitido no dia do incidente, que afirma que Vallarta sofreu ferimentos que levaram menos de 15 dias para cicatrizar.
"Isso implica que o réu tinha ferimentos no momento de sua prisão e, portanto, cabe ao Estado fornecer uma explicação razoável", disse ele.

O juiz analisou os laudos emitidos com base no Protocolo de Istambul para comprovar a tortura em Vallarta, tanto os da Procuradoria-Geral da República (FGR) e do Conselho Federal de Justiça (CJF), quanto os oferecidos pelo Instituto da Defensoria Pública da União (IFDP).
"Uma vez que ficou processualmente comprovado que a declaração prestada pelo acusado perante a audiência ministerial foi obtida mediante tortura física e psicológica, a abaixo assinada determina que a mesma seja excluída do conjunto probatório da presente ação penal, sem indicar que a referida confissão teria produzido prova que teria o mesmo destino quanto à sua ilicitude", afirmou.
Por isso, ele ordenou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) informasse, em 10 dias, o que aconteceu com as investigações que deveria iniciar sobre as denúncias que Vallarta apresentou contra seus torturadores, incluindo Luis Cárdenas Palomino, ex-comandante da AFI.
Vieyra Valdez afirmou que a montagem televisionada da prisão de Vallarta teve um efeito corruptor que expôs não apenas ele e Florence Cassez, mas também as vítimas cujos direitos humanos foram violados durante a transmissão.
20 anos de papelada da prisãoEmbora as autoridades federais tenham reconhecido, alguns meses após a prisão de Vallarta, que havia um programa de televisão que retratava ele e Florence Cassez como culpados de sequestro, o caso durou quase 20 anos, durante os quais Israel permaneceu em prisão preventiva.
Em sua decisão, a juíza Vieyra Valdez descreveu o caso, que começou em 8 de dezembro de 2005, quando ele foi preso por agentes da AFI junto com sua então companheira, a francesa Florence Cassez.
No entanto, os rostos e nomes de ambos os homens se tornaram conhecidos no dia seguinte devido a uma montagem de televisão sobre sua captura na fazenda "Las Chinitas", no Estado do México, um local diferente de onde sua captura ocorreu originalmente.
Em 10 de fevereiro de 2006, em uma entrevista coletiva, o então chefe da extinta PGR, Bernardo Bátiz, reconheceu que a mídia não estava presente durante a prisão dos dois indivíduos, identificados como líderes de Los Zodiaco, nem no momento em que os indivíduos identificados como vítimas de sequestro foram liberados.
No evento, o então chefe da Subprocuradoria Especializada de Investigação do Crime Organizado (SIEDO), José Luis Santiago Vasconcelos, informou que o diretor da AFI, Genaro García Luna, sustentou que a montagem televisiva foi realizada a pedido dos meios de comunicação que a transmitiram: Televisa e TV Azteca.
Apesar dessa admissão, o caso prosseguiu. Um mês após a coletiva de imprensa de Bátiz, a AFI executou um mandado de prisão contra Vallarta e Cassez em conexão com o sequestro de uma sexta vítima.
Em 15 de outubro de 2007, o caso de Vallarta foi separado do de Florence Cassez, cujo caso levou mais seis anos para ser resolvido.
Assim, em 23 de janeiro de 2013, a Primeira Câmara do Supremo Tribunal Federal emitiu uma decisão histórica reconhecendo que o Estado mexicano orquestrou uma manipulação televisiva que tornou ilegal a detenção da cidadã francesa e, consequentemente, invalidou diversas provas contra ela.
Esta foi a primeira vez que uma resolução abordou violações do devido processo legal e os efeitos corruptores de ações ilegais por parte das autoridades.

Enquanto isso, o caso de Israel Vallarta avançava lentamente. Embora, em agosto de 2010, seu processo tenha sido enviado de um tribunal federal na Cidade do México para o Juiz do Terceiro Distrito de Processos Criminais Federais no Estado do México, isso levou a uma disputa jurisdicional que só foi resolvida em 2011. Em março daquele ano, ele recebeu um novo número de processo, 100/2010.
Treze anos de apelações sobre várias questões processuais se passaram até 2023, quando o IFDP, que lidera a defesa de Vallarta, solicitou o encerramento da investigação para forçar o juiz a emitir uma sentença final.
No entanto, o pedido foi rejeitado, e foi interposta uma liminar, na qual Vallarta afirmou que não desejava afrontar as vítimas, medida que a PGR alegou ter como objetivo atrasar a sentença e, portanto, a análise das provas que tinha contra ele.
Em 27 de maio de 2024, o Terceiro Tribunal Distrital de Processo Penal Federal do Estado do México cumpriu a liminar e ordenou o arquivamento da investigação. Em 9 de julho, a Procuradoria-Geral da República (FGR) apresentou sua denúncia formal e, embora o caso parecesse estar avançando, em agosto a Justiça Federal (PJF) iniciou uma paralisação por tempo indeterminado em protesto contra a reforma judicial promovida pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador.
A greve fez com que Israel Vallarta não pudesse apresentar suas conclusões de inocência até 4 de novembro daquele ano, e sua audiência foi realizada em 31 de janeiro de 2025, por videoconferência.
Durante a audiência, a juíza Vieyra Valdez concluiu que não havia provas pendentes a serem apresentadas, que o processo estava completo e que ela estava pronta para proferir sua sentença.
Assim, em 31 de julho, a juíza emitiu sua sentença, analisando as 292 provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra Israel Vallarta, a decisão do Tribunal em favor de Florence Cassez e as provas apresentadas pelo réu para provar que confessou sob tortura os sequestros que lhe são atribuídos.
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